sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008
Desejo e Reparação
“Ela havia esquecido o quanto de açúcar ele gostava no chá. Dois cubos, por favor. As mãos deslizam e alcançam a dele. Por um momento, o mexer do chá perde a volta, o movimento é interrompido pelo toque. A tontura momentânea, o fechar de olhos, e enfim o afastar da mão, feito com pesar. Um misto de amor e ressentimento.”
Apesar da mesma direção, em uma única cena enxerguei as semelhanças que unem Desejo e Reparação à Orgulho e Preconceito, e são os detalhes das mãos que fazem esta ligação. O restante do filme é repleto de cenas belíssimas, mas a intensidade romântica é outra, aproximando-se muito mais da melancolia. E não há como não gostar de um filme que te toca, te faz chorar, e ter medo de repeti-lo por não querer sofrer da mesma angústia por uma segunda vez.
Desejo e reparação, do diretor Joe Wright, baseado na obra do escritor britânico Ian McEwan, é repleto de diálogos mudos. São olhares, gestos e cenas que te fazem entender o sofrimento de cada personagem. Seja por amor, ódio ou arrependimento. Aliás, “atonement”, o nome em inglês (com tradução para português de ‘reparação’ e, estupidamente, um ‘desejo’ acrescentado), é digno da palavra. Todo o filme é permeado por uma sensação de erro. Um erro infantil que causará danos drásticos ao futuro de pessoas queridas.
O filme pode ser dividido em três partes muito distintas. Infância, vida, e prólogo. Sendo que, no prólogo, temos revelações que mudam o rumo de toda a vida passada. Estas são as cenas reservadas às lágrimas. O impacto das verdades nos atinge e retira o sorriso momentâneo do rosto. É impossível prevê-las, de repente somos assombrados com a realidade dos fatos. A reparação chega tarde, mas nos deixa com a sensação de dever cumprido.
Angústia é o sentimento onipresente no decorrer do filme. No início, com a incrível interpretação de Saoirse Ronan, a atriz americana de 13 anos com três filmes na carreira e que concorria ao Oscar de melhor atriz coadjuvante. A franzina garota que ordena o caos de sua vida através da escrita nos faz odiar a malícia e a ingenuidade infantil. Ou no decorrer do filme, com a atuação de Keira Knightley, que ao contrário das emoções forçadas de filmes passados, alcança uma profundidade ímpar com olhares expressivos e, principalmente, no “stay with me” da cena do café. A seqüência não-linear é outra curiosidade, uma mesma cena é mostrada de diferentes ângulos e visões, e com isso podemos perceber a realidade dos fatos, ao contrário dos personagens. Tal técnica é grande responsável pela angústia que sentimos ao saber do erro cometido e somente a nós revelado.
Ainda comparando-o a Orgulho e Preconceito, temos cenas longas, belíssimas e extremamente bem coreografadas, como a da praia de Dunkirk, que serviria de ponto de retirada das tropas britânicas, ou a dança da felicidade irreal do casal no fim da história. Aliás, a trilha sonora original foi merecidamente ganhadora do Oscar. O som de teclas da máquina de escrever que nos conduz no desenrolar da trama, do qual se revela o sentido ao final, é brilhante. Nada seria tão autêntico quanto um ruído que descreve a história de um livro.
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Um comentário:
Um clássico filme para concorrer e ganhar Oscars. Sim, uma angústia permeia o filme, angústia como um engasgar e um parar-retomar-parar contínuo. Horas se passam e há o sentimento de que nada aconteceu. Mas está para acontecer. Até que as luzes do cinema se acendem e percebo que nada realmente aconteceu.
A não lineariedade, já batida, não acrescenta nada ao filme. As diferentes visões não são exploradas de forma significante. Há uma tentativa, um início que, na cena seguinte, se perde. Assim como tudo que é começado se perde no próximo corte de cena. As atuações são meras atuações hollywoodianas. E o roteiro falha, principalmente no chavão "come back", repetido nos momentos de reviver as emoções passadas.
São pontos técnicos e artísticos óbvios e maçantes dos concorrentes ao Oscar. Das grandes produções, enfim.
Mas, Talita, apesar de eu realmente não ter gostado do filme, achei sua crítica muito bem escrita, bem argumentada e com uma boa reunião de dados. Gostei muito.
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