quinta-feira, 6 de março de 2008

Nome Próprio


A sua arte não permite dois amores. Escrever não permite amar nada mais do que isso. As palavras, mesmo quando carregadas de ódio por um fim de relacionamento barulhento em um apartamento desmontado pela ira do ex-rancoroso, eram o caminho de Camila Lopes atrás de calma. Álcool, anfetaminas, nenhuma comida, o computador parado a sua frente e as frases aparecendo para destruir o passado.

Ela aceitou reescrever um de seus personagens e às vezes os finais corriam das suas mãos. Viver é um contrato de risco, sem fiador. Escrever é um tiro no escuro. As luzes apagadas e ela nua pelo apartamento. As angústias pregadas nas paredes vazias. Os seus santos em retratos espalhados. Suas verdades tomando corpo em papeis que ela organizava na parede e pregava na tela.

Tem gente que bebe para fazer sentido, tem gente que bebe para fazer parte, tem gente que bebe pra congestionar a vida. Na sala escura, ela parecia beber para acalmar os pensamentos. Segurar a vida na corda bamba, meio tonta. Trocando tropeços com o cadarço imaginário da sua bota cara. Entrando nua no mar. Comendo o namorado da amiga. Pulando o certo e sempre caindo no erro. Porque ninguém a conhecia e ela não conhecia ninguém. As palavras são egoístas. Não há vida fora do raio do seu personagem. Não há razão fora das que ela tomou para si.

Ela limpava o desespero com desinfetante no corredor e esfregava até perder o equilibro e cair quietinha. Sem ninguém por um longo tempo. Às vezes, algumas almas a salvavam. Mas nunca se sabe por quanto tempo as pessoas relativamente normais agüentam o turbilhão canalizado para uma única coisa: escrever. Esperar, esperar, escrever, esperar, escrever, escrever. Ela fazia isso para se encontrar. Ela se perdia para construir sua própria narrativa. Camila Lopes viveu uma solidão muda. Camila Chivirino preenchia vazio e cansaço com música e gatos. A sua arte não permite amar duas coisas. Mas, com sua vida de gato, Camila amou algumas outras.

O filme entrega algumas frases às vezes exageradas e intensas como não precisariam ser. Falta leveza. Falta mais do original. Faltam e sobram algumas coisas. Quando as luzes se acenderam, enxerguei a Camila Lopes do Murilo, perfeitamente interpretada pela Leandra Leal, e senti falta da Camila Chivirino da Clarah Averbuck, uma outra história que só vive na forma de letras.

Clarah saiu de Porto Alegre e veio descansar suas palavras nessa cidade com o pecado esparramado por todos os lados. São Paulo é a casa dos inquietos. O coração que nunca pulsa devagar no meio desse país quente. Não é impossível encontrá-la pelos bares e ver ficção acontecendo. Ficção acontece o tempo todo e não é privilégio de poucos. Ela chegou à cidade com 21 anos, foi morar na casa de um amigo que pouco tempo depois a deixou sozinha. Foi despejada, ficou sem grana, sem quase tudo e se manteve pregada ao teclado. Escreveu três livros, entre eles Máquina de Pinball e Vida de Gato, nos quais Nome Próprio é baseado, além de atualizar visceralmente o brazileira!preta que deu origem ao seu segundo livro, Das coisas esquecidas atrás da estante, uma coletânea de textos do blog e de algumas colunas.

"Tudo tinha mudado, menos o que ficou igual". Assim, ela abre o Adiós Lounge (www.adioslounge.blogspot.com), seu atual blog. Clarah hoje é uma mulher de 28 anos, tem uma filha, ganhou o prêmio Petrobrás de incentivo a cultura e escreve mais quatro livros: "Cidade Grande no Escuro", “Eu Quero Ser Eu”, "Delírio de Ruína", uma parceria com a artista Rita Wainer, e "Toureando o Diabo". Com tudo, ela continua fazendo o que faz.


Teaser do filme
Blog do filme

O filme foi apresentado na Mostra do Rio e no Festival Internacional de São Paulo, a estréia comercial está prevista para o primeiro semestre desse ano.

Nenhum comentário: